CONSELHO DA ONU ZOMBA DOS DIREITOS HUMANOS

 

Gabriel C. Salvia

(Diretor-Geral do CADAL-Centro para a Abertura e o Desenvolvimento da América Latina , fundação privada argentina cuja missão é promover os direitos humanos e a solidariedade democrática internacional)
29 de junho de 2020

 

Desde que, em 2006, se criou na ONU o Conselho de Direitos Humanos (CDH) para substituir a antiga Comissão, as ditaduras têm sido dominantes em seu seio, e uma delas pertence à região da América Latina e Caribe: Cuba.

O CDH é composto por 47 dos Estados integrantes da ONU, eleitos de forma direta e universal, em votação secreta pela maioria dos membros da Assembleia Geral, e estão agrupados da seguinte maneira: Grupo de Estados da África (13); Grupo de Estados da Ásia (13); Grupo de Estados da Europa Oriental (6); Grupo de Estados da América Latina e Caribe (8); Grupo de Estados da Europa Ocidental e Outros Estados (7). Os membros do Conselho têm mandato de três anos e não podem optar pela reeleição imediata depois de dois mandatos consecutivos. Apesar disso, Cuba esteve no CDH em quatro mandatos (2007 a 2009, 2010 a 2012, 2014 a 2016, 2017 a 2019) e já anunciou sua nova candidatura para o período de 2021 a 2023.

Cuba candidato ao CDH

O ministro cubano de Relações Exteriores apresenta a candidatura do país para o CDH em 2021, chegando à marca de país com maior tempo de permanência no órgão. Deve ser o hábito de se eternizar no poder…

Na Resolução que criou o CDH se estabelece que a participação no Conselho estará aberta a todos os Estados Membros das Nações Unidas; que ao eleger os membros do Conselho, os Estados Membros deverão ter em conta a contribuição dos candidatos para a proteção e promoção dos direitos humanos e as promessas e contribuições voluntárias que tenham feito a respeito.

Também estabelece que os membros eleitos ao Conselho deverão defender as mais altas exigências na promoção e proteção dos direitos humanos, cooperando plenamente com o Conselho e sendo avaliados de acordo com o mecanismo de exame periódico universal durante seu mandato como membros. Sobre este último, um relatório detalhado publicado pelo CADAL e elaborado por Brian Schapira e Roxana Perel atesta a falta de compromisso de Cuba com o sistema universal de direitos humanos.

 

Direitos humanos para quem?

Cuba é o único país da América Latina que não ratificou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Desde que ambos os pactos foram firmados, em 2008, o governo de Cuba  respondeu que “estão sendo estudados”, circundando as recomendações para ratificá-los formuladas por vários países em seu segundo e terceiro exames periódicos universais no CDH, pelos órgãos de que faz parte, por diversos procedimentos especiais do Conselho e pela própria Alta Comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. É curioso que o governo cubano leve 12 anos estudando a ratificação de ambos os pactos, enquanto elabora e adota, de um ano para outro, uma nova Constituição que, se supõe, dependeria de um “estudo” prévio.

A realidade é que Cuba não ratifica os dois pactos porque, ao fazê-lo, assumiria a obrigação jurídica de aplicar suas disposições e de prestar informações, periodicamente, a um órgão do tratado das Nações Unidas composto por especialistas independentes. Dez órgãos desse tipo supervisionam a aplicação desses tratados e protocolos facultativos por dois canais principais: os informes periódicos sobre a situação de determinados direitos em um Estado membro e as comunicações apresentadas por particulares. E as organizações previstas podem visitar os países e conduzir investigações.

Apesar desse histórico, Cuba seguramente será eleita para seu quinto mandato no Conselho de Direitos Humanos, o qual a habilitará para se candidatar à reeleição em 2023, permanecendo ali durante 18 dos 20 anos de vida do organismo. Países com histórico similar poderiam conseguir o mesmo, como Arábia Saudita e China.

O Conselho zomba de seu próprio nome. Em 28 de outubro de 2016, ao se renovar um terço dos membros do Conselho, a China obteve nada menos do que 180 votos, deixando evidente  haver contado com o apoio de várias democracias desenvolvidas. Cuba reelegeu-se com 160 votos.

Cada vez mais próximos da votação que, em outubro, renovará o CDH, Chile e Peru vacilam em se candidatar à reeleição, o que facilitaria ainda mais o caminho para a ditadura cubana. Outro país que pode se candidatar à reeleição é o México, que também acumula 12 anos neste organismo. Diferente da Colômbia, que nunca integrou o CDH, o México não se envergonha de integrá-lo, ainda que se trate da democracia com os casos mais graves de violações de direitos humanos na região.

A zombaria é perene. Em 2019, a ditadura venezuelana se candidatou e conseguiu ingressar no CDH, obtendo mais votos do que a Costa Rica, um dos países que se destacam por sua institucionalidade democrática na América Central. Em 2019, o Brasil também foi reeleito para o Conselho, com um governo cujo presidente celebra as violações de direitos humanos cometidas pela última ditadura militar.

Como consequência, Cuba conseguirá manter sua “liderança”, com a maior quantidade de anos possíveis em um organismo ao qual não se submete. Essa situação diz muito sobre a falta de verdadeiras lideranças em defesa dos direitos humanos na América Latina.

Diante desse cenário, só resta envergonhar a ditadura cubana, sublinhando sua falta de compromisso com o sistema universal de direitos humanos; sua excepcionalidade na América Latina, por não ter ratificado os dois grandes pactos; sua condição de país mais antidemocrático da região, com um regime de partido único que criminaliza os direitos à liberdade de associação, reunião, imprensa, expressão e participação política. Nesse sentido, altas autoridades de países democráticos, legisladores, ex-mandatários e chanceleres, referências políticas, sociais, jornalistas e intelectuais da América Latina deveriam rechaçar publicamente a nova candidatura de Cuba ao CDH, para que sintam mais vergonha aqueles que violam os direitos humanos do que aqueles que os defendem.

direitos LGBT em Havana

Em maio de 2019, policiais cubanos prenderam manifestantes que participavam de um protesto pelos direitos da população LGBT, em Havana. Assim como a comunidade LGBT, jornalistas, defensores de direitos humanos sofrem constrangimento crescente e prisões arbitrárias com base no Decreto-Lei 370 (2019), supostamente destinado à “cibersegurança” mas, na prática, ferramenta de censura e restrição de liberdades de expressão e associação, como denuncia documento do CADAL 

 

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