¡Vos también podés ser parte!
Hector Leis - Selvino AssmannProfessores do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFSC Data: Março Abril 2010
Existe algum país no mundo que seja plenamente democrático, que realize verdadeiramente a premissa do exercício da soberania do povo? Para além da clássica distinção entre democracia direta e democracia representativa, e embora a soberania do povo apareça declarada formalmente nas constituições da quase totalidade dos países, isso não se traduz estritamente num poder exercido pelo povo. O exercício do poder tem numerosas mediações institucionais e a complexidade da sociedade contemporânea obriga que assim seja. No entanto, na democracia representativa é possível imaginar a realização do poder do povo em função do bom comportamento de algumas variáveis baseadas no grau de liberdade dos cidadãos para se expressar, organizar e desenvolver suas atividades econômicas sem qualquer opressão, por um lado, e no grau de transparência e de acatamento da lei por parte das instituições e classes governantes, por outro.
Seguindo aproximadamente esses critérios, o Centro para a Abertura e o Desenvolvimento da América Latina (CADAL) constrói anualmente um ranking geral da qualidade democrática dos regimes vigentes em todos os países, com base em indicadores elaborados pelas instituições internacionais Freedom House, Heritage Foundation e Transparency International, que, de forma geral, tomam em conta o trinômio democracia, mercado e transparência. O ranking correspondente ao ano 2009 pode ser observado em detalhe em seu site: https://www.cadal.org/. Embora qualquer ranking sempre esteja sujeito a polêmicas, vale a pena ver o posicionamento dos países, para que o leitor perceba que as variáveis que constituem a democracia não são as mesmas que constituem o peso militar ou econômico de um país ou justificam a auto-estima nacionalista de seus cidadãos.
Ranking CADAL 2009 (os países latino-americanos aparecem em negrito)
Posição País Valor* 1 Nova Zelândia 0,918 2 Dinamarca 0,905 3 Suíça 0,894 3 Austrália 0,894 5 Canadá 0,887 6 Holanda 0,883 7 Finlândia 0,874 8 Suécia 0,872 8 Islândia 0,872 10 Irlanda 0,867 11 Luxemburgo 0,851 12 Noruega 0,849 13 Reino Unido 0,845 14 Estados Unidos 0,843 15 Alemanha 0,828 16 Áustria 0,826 17 Barbados 0,809 18 Chile 0,805 19 Bélgica 0,800 20 Japão 0,796 21 Estônia 0,795 22 Santa Lucia 0,785 23 Chipre 0,777 24 Uruguai 0,775 25 França 0,763 26 Espanha 0,756 27 Eslovênia 0,750 28 Singapura 0,733 29 Portugal 0,727 30 Israel 0,720 30 San Vicente e Granadinas 0,720 32 Maurício 0,716 33 Costa Rica 0,714 34 Lituânia 0,711 35 Malta 0,709 35 Rep. Tcheca 0,709 37 Hungria 0,708 37 Taiwan 0,708 39 Coréia do Sul 0,699 40 Eslováquia 0,694 41 Cabo Verde 0,690 42 Polônia 0,682 43 Botswana 0,680 44 Letônia 0,657 45 Itália 0,632 46 África do Sul 0,627 47 Namíbia 0,615 48 Grécia 0,612 49 Panamá 0,610 50 Gana 0,606 50 Samoa 0,606 52 Trinidade e Tobago 0,601 53 Bulgária 0,597 54 Romênia 0,592 55 Croácia 0,576 56 El Salvador 0,572 57 Brasil 0,567 58 Peru 0,565 59 Suriname 0,558 60 México 0,555 61 Turquia 0,553 62 Kiribati 0,552 63 Mongólia 0,550 64 Rep. Dominicana 0,549 65 Jamaica 0,541 66 Benin 0,533 67 Sérvia 0,531 68 Macedônia 0,530 69 Qatar 0,525 70 Montenegro 0,524 71 Argentina 0,522 71 Seychelles 0,522 73 Índia 0,520 74 Albânia 0,516 75 Geórgia 0,514 76 Bahrein 0,512 76 Malásia 0,512 78 Emirados Árabes Unidos 0,503 79 Colômbia 0,502 79 Mali 0,502 81 Lesotho 0,501 82 Kuwait 0,500 83 Indonésia 0,495 84 Santo Tomé e Príncipe 0,490 85 Zâmbia 0,485 86 Senegal 0,484 87 Guatemala 0,481 88 Jordânia 0,477 89 Madagascar 0,476 90 Honduras 0,473 90 Oman 0,473 92 Guyana 0,471 93 Paraguai 0,466 94 Bolívia 0,464 95 Moçambique 0,463 96 Burkina Faso 0,461 97 Ucrânia 0,457 98 Nicarágua 0,449 99 Tanzânia 0,448 100 Bósnia-Herzegovina 0,446 101 Niger 0,444 102 Equador 0,442 103 Taiândia 0,438 104 Filipinas 0,436 105 Moldávia 0,435 105 Quênia 0,435 107 Libéria 0,433 108 Sri Lanka 0,431 108 Malawi 0,431 110 Serra Leão 0,426 111 Bhutan 0,424 112 Tonga 0,421 113 Marrocos 0,416 114 Ilhas Salomão 0,414 115 Timor-Leste 0,407 115 Armênia 0,407 117 Uganda 0,406 118 Gâmbia 0,395 119 Nepal 0,392 120 Líbano 0,388 121 Paquistão 0,381 122 Kirguistão 0,378 122 Nigéria 0,378 124 Bangladesh 0,377 125 Tunes 0,367 126 Gabão 0,365 127 Arábia Saudita 0,364 128 Comoros 0,359 129 Guinéia Bissau 0,351 129 Etiópia 0,351 131 Ruanda 0,349 131 Djibouti 0,349 131 Suazilândia 0,349 134 Kazaquistão 0,347 135 Egito 0,343 136 Yêmen 0,342 137 Togo 0,340 138 Argélia 0,339 139 Haiti 0,337 140 Venezuela 0,333 141 Burundi 0,331 142 Azerbaidjão 0,325 143 Mauritânia 0,319 144 Maldivas 0,310 145 Rep. de África Central 0,309 145 Camboja 0,309 147 Costa do Marfim 0,307 148 Tajikistão 0,302 149 China 0,301 150 Rússia 0,297 151 Vietnam 0,289 152 Camarões 0,277 153 Angola 0,273 154 Rep. de Congo 0,268 155 Síria 0,258 156 Guinéia 0,255 157 Cuba 0,247 158 Irã 0,234 159 Laos 0,233 160 Bielorrússia 0,230 161 Eritréia 0,215 162 Chade 0,208 163 Guinéia Equatorial 0,201 163 Líbia 0,201 165 Uzbequistão 0,194 166 Turkmenistão 0,177 167 Zimbabwe 0,148 168 Myanmar 0,140
** Os valores oscilam entre 1 e 0 pontos, representando 1 a melhor qualidade democrática e 0 a pior. Uma coisa que chama a atenção no ranking é que entre as trinta melhores democracias do mundo as primeiras posições correspondem, com raras exceções, a países pequenos ou medianos. Sendo assim, constata-se que a vontade política que leva à liberdade e ao cumprimento da lei não precisa ser acompanhada pela vontade de dominar o mundo. Países como o Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha, ocupam apenas os lugares 13ª, 14ª e 15ª, respectivamente.
Chile e Uruguai são as únicas democracias de América do Sul que se encontram neste grupo. O leitor pode observar na lista a seqüência dos países latino-americanos, mas Chile e Uruguai se destacam como democracias consolidadas, situando-se nas posições 18ª e 24ª, respectivamente, enquanto o Brasil permanece ainda numa precária 57ª posição, precedido inclusive por El Salvador e seguido pelos restantes países latino-americanos, em posições que mostram claramente o grau deficitário das democracias da região. Por outro lado, Venezuela e Cuba se destacam negativamente como países com regimes políticos de vocação não-democrática, ocupando a 140ª e a 157ª posição entre os 168 países analisados.
No entanto, em termos comparativos com os restantes membros do famoso grupo de potencias emergentes chamado BRIC, o Brasil ocupa a 57ª posição em claro contraste com a Índia, China e Rússia que ocupam as 73ª, 149ª e 150ª posições respectivamente. Se a economia do planeta nas próximas décadas chegasse a ficar em mãos destas potências emergentes e a qualidade das democracias desses países não sofrer um dramático upgrade, a importância da democracia no mundo poderia ser ressignificada, tornando possível pensar que a atual onda democrática no mundo será revertida e as ditaduras ocupariam a longo prazo o lugar hegemônico hoje ocupado pela democracia.
A intensa energia dedicada pelas elites políticas para que o Brasil seja em poucos anos uma potência econômica não se compadece com a baixa energia destinada a melhorar sua democracia. Isto é um fato. A fraqueza do sistema político brasileiro é evidente, enquanto a corrupção circula tão solta quanto a impunidade, entre a classe política, e entre o setor público e setores da vida privada. No entanto, não houve qualquer reforma política séria que impedisse tal situação, nem nos 8 anos de governo de FHC, nem nos 8 anos do de Lula – que, sob esse aspecto, se parecem mais do que gostariam. No Brasil, uma classe política parece estar conseguindo perpetuar-se alegremente no poder à custa da cidadania que, mesmo exercendo seu direito ao voto, tem poucas condições de impedir a continuidade da “festança”.Tenha-se em conta, porém, que os brasileiros identificam a democracia bem mais com o mero direito de voto, e não com a vigência do Estado de direito. Um exemplo do pouco valor atribuído pela classe política à democracia foi dado no final do ano passado quando o Senado do Brasil aprovou o ingresso no MERCOSUL de uma Venezuela sob o domínio do "chavismo", apesar da cláusula democrática exigida para que os países possam se integrar no bloco. Outro exemplo da pouca importância outorgada à qualidade democrática dos aliados é mais recente, quando o presidente do Irã (158ª posição) foi recebido por Lula em Brasília com rasgados elogios. Olhando o ranking, não se entende a política de alianças costurada pelo Itamaraty, privilegiando países situados entre os trinta piores regimes do mundo. Infelizmente, a cultura latino-americana é auto-complacente. Apesar de ser um mal endêmico na região a baixa qualidade da democracia, isso ainda não merece a devida atenção nem no debate acadêmico, nem no político. Ao invés disso, os atores políticos e seus “intelectuais orgânicos” perdem tempo discutindo se um regime de esquerda é melhor que o de direita, ou vice-versa. Não deixa de ser um claro sinal do anacronismo do debate dominante na região o fato de que os dois países mais bem situados no ranking sejam Chile e Uruguai, nos quais haverão de tomar posse este ano um presidente com antecedentes e plataforma claramente de direita (no Chile), e outro com equivalente background na esquerda (no Uruguai).
Colocar o cenário político em termos de esquerda x direita cumpre duas funções: por um lado, obstaculiza as ações em prol da qualidade da democracia, e, por outro, favorece a manipulação das massas em beneficio dos interesses patrimonialistas e de perpetuação no poder da classe política. Os debates ideológicos que hoje aparecem no horizonte da próxima eleição presidencial no Brasil não podem co-existir com o futuro de grandeza espiritual que os brasileiros almejam para a sua pátria. Levantar falsos conflitos através de posições excessivamente ideologizadas impede o necessário trabalho consensual em defesa das instituições da democracia e das liberdades de seus cidadãos. O século XX provou com o sangue de milhões de vítimas que o pior inimigo da democracia foi a instrumentalização ideológica das massas contra o Estado de Direito. As democracias consolidadas do Chile e do Uruguai não se construíram com o radicalismo das ideologias, mas com o rigor moderado da lei. Nós, brasileiros, devemos perguntar-nos se queremos aprender das lições de Chile e Uruguai ou da Venezuela e da Bolívia.
Fuente: Jornal Floripa Total (Florianópolis, Brasil)